Princípios de Doutrina Económica da Igreja

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João César das Neves é economista, professor catedrático na Universidade Católica e Coordenador do Programa de Ética nos Negócios e Responsabilidade Social das Empresas

Prof. Doutor João César das Neves

No contexto do Programa AconteSER, Liderar com Responsabilidade programa que a ACEGE vem desenvolvendo desde 2011, foi um grato prazer o de rever no Porto o palestrante Prof. Doutor João César das Neves numa abordagem nova sobre o tema da conferência, e em feliz coincidência pela première de apresentação do seu novo livro sobre o tema em análise:

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Os Princípios da Económica Social da Igreja– Na Carpintaria de Nazaré

Neste livro, que estava em gestação há muitos anos, o Professor apresenta a vertente Económica da Doutrina Social da Igreja, fazendo uma abordagem sistemática e coerente da vastidão dos problemas económicos e sociais à luz dos ditames da riquíssima DSI, que tão bem conhece, enaltecendo que “ foi com esperança que ele foi escrito, com os olhos postos na carpintaria de Nazaré ”.

A maravilha da doutrina social da Igreja
A doutrina social da Igreja é um dos sistemas mais bem formulados e estabelecidos da história da humanidade, constituindo uma construção intelectual ímpar, com um enorme valor moral, político, económico e social, mesmo para os não-crentes.

É curioso que poucos cristãos se dêem conta do valor que têm, e o usem no dia-a-dia.

1. Declaração
O tema é extremamente relevante para a vida social e humana, sendo que tratar da vida social, toda a vida social, tem características muito raras.

Nenhuma outra instituição humana, com esta abrangência e dimensão, alguma vez definiu princípios tão claros e operacionais em tema tão central:
Não existe tão bem definida e estabelecida, nenhuma doutrina social de qualquer outra religião, comunidade ou país. Ou, não há uma doutrina social da mesquita ou da sinagoga, como não existe uma doutrina social americana, alemã ou cigana e os grandes grupos sociais, homólogos da Igreja, não costumam formular doutrinas sociais.

Nas escolas de pensamento há muitas formulações de pensadores, mas o que aí sobra em elaboração costuma faltar em consenso:
E sabemos bem o que é o liberalismo de John Stuart Mill (1806-1873), o socialismo de Saint-Simon (1760-1825) ou o comunismo de Lenine (1870-1924). Mas o que propõe o Socialismo ou o Corporativismo? O que se entende exactamente por Liberalismo ou Social-Democracia?

O problema é sempre de autoridade:
Não existe nas ideologias um Magistério de referência que possa redigir textos canónicos os quais. Até no Marxismo, uma das mais bem definidas e ordenadas ideologias da história isso acontece. Não se fala em Marxismo, mas em Marxismo-leninismo. Mesmo dentro do Marxismo-leninismo, os debates entre as linhas estalinistas, trotskista, maoista, entre outras, são evidentes.

A Igreja, desde o princípio que ela sempre cuidou de estabelecer os seus textos fundamentais, os seus credos definitórios e até a linha pessoal de sucessão apostólica que ligava o bispo do momento ao colégio originante:
A Igreja manteve intensa reflexão intelectual tentando sempre aplicar todas as potências da razão humana à penetração do sentido profundo da sua crença. A doutrina social da Igreja é apenas um dos muitos produtos desta atitude de fundo dos discípulos de Jesus Cristo

2. Coerência
Mas não há problemas de divergências e incoerência?
Não só cada tempo é um tempo, mas cada autor é um autor. S. Agostinho é muito diferente de S. Basílio, quanto mais Bento XVI, e que dizer de debates, heresias, confrontos?

Existe uma diferença fundamental face aos autores das outras orientações, que pode passar despercebida.

Nenhum destes escritores católicos pretendia, ao escrever, ser um gerador de uma doutrina social. A sua finalidade era traduzir essa doutrina, que consideravam como definida pelo Espírito, para as condições particulares do seu tempo. Podem considerar-se mais como tradutores do que como autores. A atitude é portanto completamente diferente das encontradas nas outras teorias e doutrinas sociais.

Este ponto é decisivo, e muitas vezes esquecido:
Não se trata de uma ideologia, de uma opinião, de uma construção intelectual, é uma parte da revelação de Deus, que o ser humano procura entender.

« a doutrina social da Igreja não depende das diversas culturas, das diferentes ideologias, das várias opiniões: ela é um ensinamento constante, que “se mantém idêntica na sua inspiração de fundo, nos seus ‘princípios de reflexão’, nos seus ‘critérios de julgamento’, nas suas basilares ‘directrizes de cação’ e, sobretudo, na sua ligação vital com o Evangelho do Senhor”(SRS 2). Neste seu núcleo principal e permanente a doutrina social da Igreja atravessa a história, sem sofrer os condicionamentos e não corre o risco da dissolução » (CDSI 88).

Deste modo se explica, aliás, um dos traços mais estranhos e marcantes desses textos, a enorme densidade de citações:

Qualquer uma das encíclicas mencionadas, bem como a Cidade de Deus de S. Agostinho, a Suma Teológica de S. Tomás ou outras obras afins, estão continuamente a referir textos bíblicos, sentenças de Padres da Igreja ou encíclicas anteriores. No limite encontramos o Compêndio de Doutrina Social da Igreja, publicado pelo Pontifício Conselho «Justiça e Paz» em 2004, quase só feito de citações, em, todos estes casos, parece que o autor procura fundamentar em autoridades cada passo que dá. Ora é precisamente isso mesmo que ele pretende fazer.

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Uma das principais consequências intelectuais desta atitude é a intensa coerência que encontramos ao longo dos 2000 anos de doutrina social da Igreja ou, olhando apenas para o período mais recente, nas atribuladas décadas desde 1891.

Esta posição de fundo, marcadamente diferente de todos os outros autores de filosofia social, advém daquilo que o Senhor disse no Evangelho:

« todo o doutor da Lei instruído acerca do Reino do Céu é semelhante a um pai de família, que tira coisas novas e velhas do seu tesouro » (Mt 13, 52).

3. Intervenção
O principal elemento que destaca a doutrina social da Igreja das outras orientações político-sociais é a sua aplicação:

Muito mais do que um corpo doutrinal, ela é um guia de acção concreta que milhões de pessoas ao longo dos séculos utilizaram como linha de vida. Como nas ciências práticas, a finalidade não é simplesmente conhecer a realidade, mas intervir sobre ela. Na frase famosa de Karl Marx « os filósofos só interpretaram o mundo; trata-se agora de o mudar » Marx, Karl (1845) Teses sobre Feuerbach, nº11.

Se há coisa pela qual a Igreja seja conhecida é pela sua acção social:
Desde as campanhas de esmolas de S. Paulo a favor dos pobres de Jerusalém (Act 24, 17-18, Rm 15, 25-28, Gl 2, 9-10) que os cristãos sempre se dedicaram às obras sociais. As Misericórdias portuguesas, como as Conferências de São Vicente de Paulo, são alguns dos mais marcantes expoentes de uma vastíssima actividade que é impossível enumerar. Isto é a doutrina social da Igreja em acção.

Isto significa também que o local onde mais se vive a doutrina, não é a universidade, mas o confessionário.

4. Conclusão
A conclusão é que a doutrina social da Igreja é espantosa. Uma sabedoria muito antiga, profunda, coerente e fundamentada, que nos orienta a todos nas questões quotidianas da vida comunitária:

Quem a pode usar tem enorme vantagem face aos outros, obtendo aí uma indicação clara e perspicaz sobre temas decisivos da nossa vida.

O Magistério tem feito enormes esforços para argumentar, aprofundar, actualizar e divulgar a doutrina.

Em geral, os cristãos esquecem, ignoram e até desprezam o tesouro que aí tem.

Ao Bom Amigo o nosso obrigado pela brilhante palestra, carregada de uma força espiritual exemplar e que muito agradou os presentes.

Bem-haja!

ACEGE – Núcleo do Porto
David Forrester Zamith