O oceano que divide os líderes europeus dos norte-americanos

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O optimismo, muitas vezes desmedido, que caracteriza os executivos da América do Norte, nem sempre é bem-vindo quando os seus anfitriões são europeus, mais tolerantes, apesar de pouco orientados para a acção. E, num mundo globalizado em que vivemos, torna-se cada vez mais crucial saber calçar os sapatos do “outro” para que o caminho a trilhar não seja demasiado tortuoso
Por
HELENA OLIVEIRA

O mundo globalizado em que vivemos obriga a um “convívio” de perto com regiões diversas, com regras, normas e comportamentos culturais distintos, os quais entram em choque com muito mais facilidade do que imaginamos. Assim, colocarmo-nos na “pele de outro” não só é conveniente, mas absolutamente necessário, especialmente para os CEOs que operam globalmente, e também para os líderes políticos, responsáveis por minimizar os gigantescos desafios que afectam o planeta na sua totalidade. Todavia, e até então, a importância do denominado ADN cultural e psicológico dos povos não tem sido devidamente explorada. Até agora.

Como argumenta Gurnek Bains, autor de Cultural DNA – The Psychology of Globalization, e dado que a maior parte do trabalho já desenvolvido nesta área é muito superficial, examinar os mais profundos instintos de oito culturas globais para ajudar os leitores a perceber a força do impacto que a psicologia e a cultura têm em regiões como os Estados Unidos, a América Latina, a Europa, a China, a Índia, o Médio Oriente, a África subsaariana e a Austrália, consistiu na tarefa a que se propôs cumprir ao escrever esta obra.

O livro analisa a forma como as culturas estão a mudar e a influenciar tanto a política como os negócios globais, colocando e respondendo a questões tão diferentes como: por que motivo são os americanos tão positivos? Por que razão a China é líder mundial em produção e a Índia em TI? Quais as razões que levam as empresas internacionais a terem tanta dificuldade em serem bem-sucedidas no mercado norte-americano? Que forças emocionais estão por detrás dos acontecimentos que estão a ocorrer no Médio Oriente ou, talvez a que mais nos diz respeito, quais são as raízes psicológicas da crise da zona Euro e como é provável que a mesma acabe [tema desenvolvido no artigo “Gregos vs alemães: o ADN cultural da discórdia?”, nesta newsletter].

Uma das forças do livro reside, sem dúvida, na exploração meticulosa dos atributos principais que cada cultura desenvolveu ao longo de milhares de anos para lidar com desafios ambientais únicos. Como escreve, “esta ‘batida’ essencial de ADN, vinda do passado, ecoa em cada uma das diferentes sociedades e, à medida que a marcha da globalização avança, nós continuamos, perigosamente, a ignorá-la”. Aquele que é considerado como uma das 100 pessoas mais influentes no mundo da actualidade – fundador da YSC, uma das maiores consultoras de psicologia corporativa do mundo – sugere igualmente que são poderosas as lições que aprendemos com as distintas sociedades que compõem o mundo e que os instintos culturais podem estar literalmente incorporados no ADN das pessoas e de uma forma muito mais intensa do que seria possível imaginar.

Por exemplo, os genes relacionados com o espírito aventureiro e rebelde são evidentes em mais de 50% dos latino-americanos e em 30% dos norte-americanos, mas muito perto do zero entre os habitantes do Extremo Oriente. E variações enormes são igualmente evidenciadas num conjunto variado de outros “genes psicológicos”.

Como Gurnek Bains defende, há muito que a inteligência cultural é subestimada. Mas, para além de poder constituir um tema de interessante para alguns curiosos, qual a sua utilidade, na prática, para o mundo globalizado em que vivemos? “Enorme”, de acordo com as páginas deste livro. É que, na verdade, é cada vez mais difícil ignorar o seu valor económico e a sua importância na criação de uma ordem internacional mais harmoniosa. Através das suas páginas, os líderes políticos e empresariais ganharão uma nova perspectiva sobre de que forma o ADN cultural de cada região influencia as suas instituições políticas e económicas, as soft skills necessárias para liderar em determinado ambiente, os desafios que se apresentam a líderes de diferentes regiões à medida que circulam no palco global, as questões que precisam de ser geridas para antecipar e resolver os problemas quando determinada cultura se envolve mais num mundo globalizado, entre várias outras.

Para os líderes que nos lêem, a história que se segue, narrada pelo próprio Bains, demonstra como a abordagem europeia à liderança é tão diferente daquela que é feita pelos seus congéneres norte-americanos.

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CEOs americanos mais optimistas e orientados para a acção

De acordo com uma pesquisa feita pela YSC, e integrada no mais recente livro de Bains, existe um enorme abismo no que respeita à estrutura emocional dos líderes europeus e norte-americanos. Depois de entrevistar 1500 executivos seniores pertencentes às oito culturas retratadas na sua obra, Bains afirma que 35% dos americanos entrevistados reportaram uma abordagem altamente positiva e optimista relativamente ao seu estilo de liderança, o segundo resultado mais elevado em todas as regiões auscultadas. Todavia, apesar de uma estrutura mental positiva e optimista ser considerada como uma virtude, a mesma pode ser contraproducente, em especial quando os americanos estão a lidar com culturas que tendem a temer e a evitar o fracasso – como é o caso da europeia. Ou seja, os seus interlocutores podem ressentir-se, considerando que os objectivos firmados podem ser excessivamente optimistas ou até impossíveis de alcançar, e que problemas genuínos nem sequer são considerados na altura em que se discutem ou se firmam negócios.

Adicionalmente, a positividade norte-americana é, muitas vezes, percepcionada como “não autêntica”, o que também pode prejudicar o estabelecimento de relações genuínas com outras culturas. Este factor foi evidenciado na pesquisa de Bains, a qual revelou que 19% dos executivos norte-americanos foram classificados como detentores de uma fraqueza no que respeita a “abertura emocional e autenticidade”, o valor mais elevado comparativamente ao valor global médio das demais culturas analisadas, o qual não ultrapassou os 12%.

Todavia, a cultura americana possui uma outra característica forte no seu ADN, e particularmente importante para abordar os desafios futuros: a sua predisposição para a mudança em conjunto com uma enorme prontidão para correr riscos. Como é sabido, estas características equipam os líderes para os mais variados desafios que o futuro possa trazer. Rápidos a resolver questões inesperadas, e a tomar decisões igualmente céleres quando necessário, os líderes norte-americanos são, desta forma, muito mais eficazes comparativamente às empresas europeias a operar numa escala global. Esta ideia é facilmente comprovada na avaliação feita por Bains: mais de 40% dos executivos norte-americanos analisados revelaram possuir um forte ‘pensamento orientado para a acção’, o resultado mais elevado em termos globais.

Pelo contrário, a execução acelerada constitui um enorme desafio para os negócios europeus. Apesar de, tendencialmente, serem mais criativos e inovadores, os executivos do Velho Continente têm enormes dificuldades em traduzir essa criatividade em acção. Na análise efectuada para o livro, apenas 24% dos líderes europeus tiveram uma “boa nota” no que respeita à orientação para a acção. De acordo com Bains, este modo mais “elíptico” de operar pode conduzir a uma impressão generalizada de que, nas organizações europeias, as pessoas falam muito e agem pouco. Os europeus são propensos a reuniões intermináveis, onde todos parecem ter algo para dizer e ninguém se limita apenas a ouvir, tendência esta que frustra os seus pares norte-americanos, que afirmam ter de se esforçar muito mais do que é habitual, em questões de alinhamento, quando estão a lidar com europeus.

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CEOs europeus mais inovadores e tolerantes

Por outro lado, outras nacionalidades consideram a cultura de negócios europeia como mais “internacionalmente dotada”, inovadora e tolerante comparativamente à norte-americana. E, neste sentido, de acordo com Bains, os gestores americanos têm muito que aprender com a abordagem europeia no que respeita aos negócios globais. A pesquisa demonstrou que os executivos americanos são significativamente menos “intelectualmente abertos e flexíveis” do que os seus pares europeus e, especificamente, na análise efectuada, apenas 25% dos primeiros demonstrarem ser fortes nesta área, comparativamente com 39% dos líderes europeus.

No que respeita a nova informação, os americanos tendem a assimilar os conteúdos que lhes são apresentados de acordo com a sua própria estrutura mental “doméstica”. Ora, nos casos em que não existe conformidade com as ideias preconcebidas que têm de como o mundo funciona, os norte-americanos são mais propensos a rejeitar o que não lhes é familiar do que os europeus.

Bains sublinha ainda que o ADN cultural americano é evidente na forma como as suas organizações operam a uma escala global. Muito do sucesso que os negócios americanos conseguem adquirir lá fora tem origem em empresas que encontraram uma fórmula de sucesso, a qual seguem quase à risca quando se internacionalizam. A McDonalds, a Kelloggs, a Heinz e muitas outras marcas norte-americanas basearam o seu sucesso no lançamento de determinados produtos e num modelo de negócio padronizado, o qual é utilizado de seguida à escala global. E, para o psicólogo corporativo, o problema destes gigantes empresariais reside no facto de demonstrarem muito pouca adaptabilidade nas suas abordagens.

Pelo contrário, as multinacionais europeias que operam em sectores similares aos acima mencionados, tais como a Unilever, a Cadburry-Scheweppes ou a Nestlé, tendem a ser muito mais flexíveis no que respeita a ajustar os seus modelos de negócio de acordo com as diferentes partes do globo onde se vão instalando. Mas como não há bela sem senão, estas empresas são igualmente propensas a falhar na imposição dos seus valores centrais, o que resulta, algumas vezes, em problemas reputacionais e de execução.

O conselho do psicólogo corporativo

Partindo do princípio que tanto os CEOs norte-americanos como os europeus pretendem ganhar e manter a sua vantagem competitiva ao longo dos próximos anos, a verdade é que ambos têm de desenvolver uma compreensão mais flexível do seu próprio ADN cultural e abraçar modelos de negócio e abordagens de liderança diversificados.

E, mais importante que tudo, os americanos terão de refrear a sua tendência para assimilar tudo o que se lhes depara de acordo com os esquemas mentais internos que têm relativamente ao mundo e a si mesmos. No que aos europeus diz respeito, só terão a ganhar se aprenderem a mostrar-se mais abertos à mudança, e a apostarem na agilidade e na orientação para a mudança.

Fonte: An ocean apart?

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