Conciliação é imperativo de liderança responsável

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No âmbito da conferência “Conciliação da Família e do Trabalho”, realizada a 20 de Outubro, na Biblioteca Municipal de Vila Real, por iniciativa da UGT – União Geral dos Trabalhadores e do núcleo de Vila Real da ACEGE, e na qual foram oradores convidados os eurodeputados Paulo Rangel (PSD) e Francisco Assis (PS), o representante do núcleo da Associação Cristã, também advogado na Cavaleiro & Associados, Pedro Seixas Silva, foi um dos intervenientes, sublinhando que “estar presente no trabalho é substancialmente diferente de ser produtivo no trabalho” e que “é este o principal desafio para as lideranças responsáveis”

Intervenção de Pedro Seixas da Silva na conferência “Conciliação da Família e do Trabalho”, realizada a 20 de Outubro, em Vila Real

Boa tarde. O meu nome é Pedro Seixas da Silva e estou hoje aqui em representação da Direcção do Núcleo da ACEGE de Vila Real, do qual faço parte, juntamente com o Fernando Novais, Eduardo Teixeira, Emanuel Bessa Monteiro, Nuno Afonso Moreira, Padre António Areias e o João Quintela Cavaleiro.

Começo por endereçar cumprimentos à mesa, à organização do evento, UGT, na pessoa do Nataniel Araújo pelo convite e aos demais oradores, ao Presidente da CMVR, Rui Santos, aqui representado pela Vereadora Mafalda Vaz de Carvalho, ao Secretário Geral da UGT, Carlos Silva, ao moderador, Rogério Gomes e aos Eurodeputados, Francisco Assis e Paulo Castro Rangel. Se me permitem – o que faço, não só em meu nome mas também em nome do João Quintela Cavaleiro – endereço um cumprimento especial a Paulo Castro Rangel, atendendo que foi nosso professor na Universidade Católica Portuguesa. É com prazer que o revejo (tendo presente que tanto eu como o João, se somos advogados foi porque passamos nas suas temerosas orais). Fazendo jus que o Dr. Rangel quando nas orais sabia que algum aluno era de Vila Real, perguntava logo pelos covilhetes. Portanto, hoje não pode sair daqui sem uma caixa.

Meus caros: a ACEGE é uma comunidade de líderes empresariais. Procura inspirar gestores e líderes organizacionais a ponderarem sobre temas de fundo da sociedade. Propugna por uma liderança com Valor(es), sempre com um fim último, a dignidade da pessoa humana. O tema de hoje é sem dúvida, um dos nossos temas centrais. Deixar-vos-emos com algumas dúvidas, que esperamos de contributo para a sessão.

A Fundação Europeia para a melhoria das Condições de trabalho coloca Portugal, em termos de conciliação Família/trabalho, no fim da lista, só antecedido pela Bulgária e pela Grécia, sentimento mais vincado por mulheres (33%) do que homens (11%). É um facto notório que em Portugal se está horas demais no trabalho, sem a devida correspondência em termos de resultado. Estar presente no trabalho é substancialmente diferente de ser produtivo no trabalho. É este o principal desafio para as lideranças responsáveis.


Em Portugal, o tema subiu à ribalta a reboque do designado “Direito ao descanso” perpetrado em França pela limitação de envio de emails em horários fora do trabalho. Rapidamente, algumas correntes foram no sentido de impor deveres por via legislativa, penalizando, considerando que algumas destas condutas pudessem ser consideradas assédio moral.

Ora, o problema ou a sua solução, mais do que legal e coerciva, parece-nos que é de índole cultural, de enraizamento de uma verdadeira cultura de responsabilidade.

Faça-se uma sondagem às mães que acabaram de saber que estão grávidas e que, felizmente, tenham uma situação financeira estável. Nas empresas mais seguras, de maior dimensão, nos bancos, nas seguradoras, hospitais, enfim em todos os casos em que exista uma – pelo menos aparente – estabilidade laboral e financeira, faça-se uma análise e verifiquem qual é a percentagem de mulheres diagnosticadas com gravidez risco. Se verificarem é altíssima. Porquê? Porque nos casos em que se reconhece que há estabilidade laboral e que não existirão efeitos directos da substituição durante ou após a gravidez, as mulheres usam um direito que lhes assiste e cada vez mais ficam quase toda a gravidez a trabalhar em casa ou em teletrabalho e em vez de usar os 120 dias de licença regra, utilizam os 8 meses de gravidez acrescidos do período de licença a que têm direito. Se perguntar à geração dos 30-40 anos, a grande maioria das mães indicam-lhe que gostariam de poder estar com os seus filhos até os 2/3 anos, como se faz na Alemanha ou no Luxemburgo, acompanhando-os. E mais surpreendente, ou não, é que muitos pais gostariam de ter a mesma possibilidade.

Este aspecto evidencia um grande pormenor – se todo o contexto laboral fosse de maior garantia – provavelmente a grande maioria das mães ficariam em casa durante ½ anos, sabendo que regressando tudo seguiria o mesmo caminho. Ora, é neste campo que lançamos os desafios aos dois Eurodeputados que aqui se encontram para que, dentro das suas competências, não desistirem de continuar a lançar iniciativas menos repressivas, mas mais inclusivas no sentido de permitir estas realidades.


É fundamental implementar uma cultura de responsabilidade, num verdadeiro compromisso de trabalho, de gente adulta. Não interessará tanto sermos babysitters uns dos outros. Os instrumentos que a internet nos forneceu, a possibilidade do teletrabalho, num momento em que se discute a possibilidade de implementar quotas para as mulheres nas Administrações das empresas, mostra que o caminho é por aí. O Papa Francisco, há muito que o anuncia, mas se quiserem exemplos menos doutrinários, veja-se a notícia do Expresso da semana passada sobre o tema ou o registo que a imprensa deu aos casos de pais homens que, a par do sucesso profissional, de maximização de EBITDA, ROI, de KPI, querem, por vontade própria, conjugar este “sucesso” com o teatro dos filhos e com a possibilidade de os ir buscar à escola a horas que para alguns, há poucos anos seriam um ultraje. Ou até a recomendação que a Ordem dos Médicos acaba de anunciar de que os pais devem estar mais tempo com os seus filhos. É transversal – não só nos operadores, nos trabalhadores dos serviços, mas também na política – com reuniões sempre tardias, nas lideranças das empresas.

Fica pelo menos a esperança de que o problema não é só português. Permitam-me transcrever uma história que o João Quintela Cavaleiro me relatou ainda ontem numa conferência em que esteve na Universidade de Nova Iorque, com a Procuradora Geral do Estado de Oregon – Ellen Rosenblum. Referiu a Sra. Procuradora que antes de assumir este cargo, no momento da gravidez do seu filho, a sociedade de advogados onde trabalhava, quando regressou da sua licença, lhe retirou o caso mais importante da firma, atribuindo-o a um colega masculino. Essa posição deu-lhe força para se candidatar a funções públicas, assumindo o cargo de Procuradora Geral, pugnando pelos direitos que hoje aqui debatemos. Como podem constatar, o problema é global.

Temos homens com funções públicas na sala, pedindo-lhes que as lideranças responsáveis das empresas de hoje já estão a fazer este caminho, esperando que os decisores políticos sejam promotores de condições que permitam alargar estas preocupações a todas as empresas.

Está à vista de todos que o caminho é por aqui e, no fim do dia, o que interessa é fazer um caminho de felicidade e trabalhadores mais felizes são trabalhadores mais realizados.

Muito Obrigado