A Sangria Continua

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Perante o acentuado decréscimo das taxas de natalidade nas últimas duas décadas, alguns serviços públicos devem, naturalmente, repensar as suas estratégias de funcionamento, equacionando até as formas de enfrentarem a inevitável diminuição do serviço.

Genericamente falando, estamos sempre mais preparados para fazer face ao crescimento. Poucas vezes somos chamados a encarar a diminuição, o decréscimo, ou até mesmo o desmantelamento de um serviço. E, não obstante, as circunstâncias em que estamos a viver no nosso País exigem algumas medidas neste sentido. Que são quase sempre antipáticas, como se sabe.

Vejamos no domínio da Educação. A nível do primeiro ciclo, das escolas primárias, já se percebeu o desastre vivido em dois terços do território nacional. Escolas que há 40 anos tinham trinta ou mais alunos ficaram reduzidas a menos de cinco crianças. O Ministério – e muito bem encerrou-as. Mas fê-lo só depois de, durante vários anos a fio, alguns professores terem estado a leccionar um ou dois alunos.

As novas acessibilidades no meio rural permitiram assumir, mesmo à generalidade dos pais, que a solução pedagógica mais aconselhável era juntar, num mesmo estabelecimento, as poucas crianças que ainda restavam, de forma a criar turmas de número aceitável. Processo que tem vindo a decorrer.

Como é evidente, o encerramento de escolas levou à extinção de muitas centenas de postos de trabalho. Pelo que puderam ser dispensados alguns milhares de professores. Desconhece-se, por enquanto, o destino desses profissionais. Se não eram dos quadros do Ministério, pura e simplesmente não lhes foi renovado o vínculo. Aos outros, devem ter sido distribuídas tarefas, não se sabe bem onde. Ouviu-se dizer que a tutela teria intenção de “oferecer” a esses profissionais uma oportunidade de trabalho noutros ministérios. Porém, os Sindicatos não reagiram muito bem a esta sugestão. Pelo que se calcula que muitos deles estejam agora “emprateleirados” a aguardar que alguém se reforme. Porém, com o aumento da idade de reforma para mais de 60 anos, muito vão ter que esperar.

Nos estabelecimentos de ensino secundário não se nota tanto o problema da diminuição dos alunos. Se as turmas há 40 anos tinham, em regra, trinta ou mais alunos, passam agora para dez ou quinze. Em teoria, melhora o ensino, mas não se reduz a factura do Ministério.

Onde os problemas começam a ser muito graves é no Ensino Superior. Já nem se fala no Superior privado, de onde devem ter desaparecido, nos últimos dez anos, mais de cinquenta por cento dos alunos. Algumas universidades encerram mesmo as portas. Também os Politécnicos públicos vivem momentos dramáticos, com a necessidade de fechar cursos e, naturalmente, reduzir o número de professores.

Neste particular, quem vive no interior apercebe-se, facilmente, de que as Universidades criadas nos anos oitenta vivem dias angustiantes. Prepararam os seus quadros docentes à custa de um grande investimento financeiro e estão muito bem apetrechadas com laboratórios e centros de investigação. Mesmo assim vêem agora alguns cursos de excelência a minguar a cada ano que passa, ao ponto de colocarem em risco a sua sobrevivência.

Não deixa de ser curioso assinalar que os cursos de maior risco são aqueles em que se exige aos candidatos notas mínimas a matemática, física ou química. Justamente cursos tecnológicos, de que um país em desenvolvimento tanto carece. Como mais de 50 % dos alunos saídos do secundário não alcançam esta média, é vê-los a dirigirem-se para as humanidades, área onde o País não é tão carente e onde há um evidente excesso de oferta.

Receitas para estes padecimentos não são fáceis de encontrar. O esvaziar de cursos e de alunos das Universidades do interior é um problema, não apenas dessas Universidades, mas das regiões onde elas estão estabelecidas. Estas não podem alhear-se quando um curso de Engenharia, seja civil, de mecânica, do ambiente ou de agronomia, se extingue. Por que é coisa que não deve nem pode acontecer. O poder político tem que ter respostas para isto, porque as há, desde que também haja a coragem de as assumir. Se há que encerrar cursos desta natureza, por falta de alunos, fechem-se em Lisboa ou Porto. Não continuem a sangrar o interior. Pela simples razão de que, para o peditório da centralidade, o interior já deu. Demais!

Armando Moreira

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