Um por cento do PIB em 10 anos

1962

É o que, de acordo com o professor António Sampaio e Mello, Portugal precisa para mudar a despesa e os estímulos. A sugestão foi feita no mais recente encontro da ACEGE, a associação dos empresários cristãos. O economista afirmou que o futuro de Portugal passa por uma alteração do comportamento do lado da despesa, ao mesmo tempo que deve alterar os estímulos públicos para a oferta, concentrando-os em incentivos para uma economia dinâmica e mais moderna
POR VÍTOR NORINHA

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PORTUGAL tem de mudar o seu comportamento para reduzir os défices públicos e privado, sem entrar numa depressão, o que, a acontecer, poderia durar muitos anos.

Para isso, o economista António Sampaio e Mello, que falou no recente almoço-conferência da associação dos empresários cristãos ACEGE, defendeu uma actuação do lado da despesa pública, atacando desta forma o défice, ao mesmo tempo que eram dados estímulos para uma “oferta mais dinâmica e mais moderna para a economia”.

Quanto custa esta operação? Para Sampaio e Mello, seria necessário cerca de 1% do PIB durante 10 anos, ou seja, cerca de 1,6 mil milhões de euros durante uma dezena de anos para implementar um programa sólido com esta envergadura. Sampaio e Mello falou na ACEGE sobre “Ideias para recuperar o futuro” e assegurou que “Portugal tem futuro”.

A noção clara de um Portugal positivo agradou à audiência, tanto mais que António Sampaio e Mello evitou ideias pré-concebidas e, sobretudo, jargões ligados às escolas de macroeconomia.

Preferiu lançar aquilo a que chama pequenas ideias, mas que configuram um comportamento e uma disciplina de poder público, das entidades privadas e das famílias, totalmente diferente. Mais. Foi sempre apelando a um novo contrato social entre o Estado e as empresas, dentro de uma parceria saudável.

Estratégia
O reequilíbrio da economia impõe-se. O plano de uma parceria público-privada é crucial, afirmou o gestor, comparando a economia portuguesa a uma empresa que não gera receitas e que tem custos muito elevados. Perdeu competitividade, perdeu quota de mercado e está sobreendividada. Com esta economia em crise, o financiamento tornou-se frágil e Portugal acabou por apanhar com a mais recente crise de confiança pela chamada “causa próxima” e que foi a Grécia. Efectivamente, as contas públicas nacionais nada têm a ver com a Grécia, mas a “causa próxima” fez ricochete por aqui.

As famílias portuguesas apresentam um endividamento da ordem dos 100% do PIB, enquanto as empresas não financeiras estão nos 140% do PIB, sendo que aqui se posicionam igualmente muitas empresas públicas e fundações. Por último, o endividamento público está acima dos 80%. Neste cenário, a fragilidade é evidente. “Desde 1974 nunca tivemos saldo positivo com o exterior”, diz Sampaio e Mello.

O desafio está, por isso, em corrigir o défice orçamental pelo lado das despesas e não pelas receitas. Mas como fazer a recuperação sustentável da economia enquanto se corrige as contas do défice público?

Na verdade, se se corta a despesa, como se fará o crescimento? Não se pode esperar o aumento do consumo privado, nem o investimento privado, diz o professor. Por isso, o “crescimento económico tem de ser via balança externa e esta teria de estar 8% acima do que está hoje”.

Aquilo que se vê é uma deterioração constante da balança, sendo que uma economia pequena e aberta, como a portuguesa, tem o crescimento impulsionado pelo exterior. Portugal, tal como os parceiros mais próximos que estão em dificuldades, caso de Espanha, não tem moeda, nem política cambial, monetária ou aduaneira própria.

A solução está em “reorientar a política económica”, passando do estímulo à procura para o estímulo à oferta que seja moderna. Um dado incontornável é que esta revitalização da economia demorará anos. Sampaio e Mello diz que estas alterações podem ser feitas “pela mão invisível do mercado ou via parcerias público-privadas para acelerar”.

O crescimento da economia está dependente da sorte, geografia, educação, cultura ou influência das instituições. E, afirma, embora Portugal precise de melhorar a educação, a justiça, o controlo político ou o direito de trabalho mais ágil, será uma mudança difícil, porque a sociedade “está refém das clivagens ideológicas e doutrinais que são muito profundas”.

E é peremptório ao afirmar que “não deveríamos apostar em conseguir mudar as instituições porque não há coesão social para mudar o contrato social”.

Pequenas coisas
A solução de António Sampaio e Mello são as pequenas coisas, começando pela mobilização dos empresários que estão mais expostos ao mercados interno, por forma a alterarem as estratégias.

Por outro lado, nesta parceria público-privada, aquilo que os estudos revelam é que o apoio dos Estados não leva a mudanças da estrutura produtiva do país, no entanto, continua o professor, “quando são bem feitas as mudanças, constata-se um desempenho mais forte das exportações, sendo que estas estão ligadas à produtividade dos factores”. Deu o exemplo de Singapura, onde as autoridades dizem que querem que as coisas aconteçam. Esta forma de actuar tem feito com que muitos investimentos acabem naquela região.

Mas será que Portugal é um país onde é mau fazer negócio? Sampaio e Mello apoia-se no último relatório do banco Mundial sobre Competitividade dos países, para afirmar que “Portugal não está assim tão mal”. Está, por exemplo, à frente de Espanha, sendo que tem pontuação má no mercado de trabalho, no sistema financeiro e nos impostos. No restante nem sequer estamos longe de França.

Entre as ideias lançadas por António Sampaio e Mello está a necessidade de o Estado se centrar nas PME que exportam e os serviços irão atrás. O negócio deve ser pensado localmente e ser desenvolvido para o mercado global.

Sampaio e Mello defende ainda o desenvolvimento do trabalho com consultores “topo de gama”, sendo que, para além dos jovens, é crucial mandar empresários “lá para fora”. O país deve, por outro lado, “fazer escolhas e centrar-se em produtos de grande qualidade, apostando em nichos de mercado”.

Deve ainda apoiar empresas em função do desempenho, enquanto a I&D deve voltar à agricultura. Do lado das pescas, o gestor não percebe porque não se substitui a prática da pesca pela aquacultura. E associar turismo a locais de charme, enquanto se defende as indústrias de manufactura, pois cerca de três quartos das exportações nacionais ainda partem daqui.

Não se devem deixar cair as empresas porque não há procura momentânea ou porque a empresa tem uma gestão ruinosa. Sampaio e Mello diz que a indústria permite aprender com a experiência. Por último, Portugal deve apostar num marketing muito agressivo, que perdure ao longo dos anos, associando muitas actividades à marca “Portugal”.

Artigo originalmente publicado no Jornal OJE. Republicado com permissão.