“Temos muito claro na família que é necessário premiar o mérito”

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Paulo Azevedo, presidente do Grupo Sonae, embarcou este ano com a família numa missão de dois meses destinada a viver outra realidade. Durante o almoço debate da ACEGE, o gestor relatou os princípios básicos para o crescimento social e humanitário.

Paulo Azevedo planeou, durante dois anos, uma missão de dois meses num país africano com objectivos muito concretos, entre eles contribuir para o crescimento social dos filhos através da experiência numa realidade distante e avassaladora.

O presidente do grupo Sonae relatou, durante um almoço-debate promovido pela ACEGE, a associação dos empresários cristãos, a sua experiência pessoal e familiar naquela que considera uma viagem de abertura de mentalidades e, simultaneamente, uma missão filantrópica em Moçambique, um dos países mais pobres do mundo.

Nos dois anos que antecederam a missão, foi obrigado a “reestruturar a chefia das pessoas” com quem trabalha directamente na Sonae. Apresentou o projecto ao comité de remuneração, a quem pediu autorização, explicando que era um projecto pessoal, “e fiquei muito surpreendido com a reacção emocionada e de encorajamento”, disse à plateia de empresários e gestores presentes no almoço-debate.

O gestor referiu que, por detrás deste projecto, estiveram três razões. Primeiro, a unidade familiar, o espírito de equipa e o enfrentar situações difíceis. “A minha profissão é exigente e isso tem os seus custos a nível pessoal”, frisou, adiantando que inicialmente tinha definido com a mulher realizar um projecto deste género de quatro em quatro anos, mas as vicissitudes da vida não o tornaram possível. A segunda razão foi filantrópica: “Temos muito claro, na família, que é necessário premiar o mérito, o esforço é a única maneira de fazer isso é compensar as pessoas”. Paulo Azevedo afirma que se “é verdade que ninguém consegue chegar a posições de destaque sem um grande esforço, também é verdade que dificilmente se consegue chegar a esse nível sem algumas capacidades inatas. É muito mais difícil se não se tiver o apoio e as condições familiares e se não existir a melhor formação ao longo da vida”. “Felizmente”, admite, “isso sempre aconteceu na minha família”. A terceira razão, e uma daquelas que considera mais importante, prende-se com a educação dos filhos. “Sabemos a dificuldade que é ter filhos nascidos e criados sem problemas e eles perceberem e interiorizarem outras realidades. Aprendem tanto pelo que vêem e pelo que vivem no dia-a-dia como através daquilo que os pais lhes ensinam”, revelou na ACEGE.

Por estes motivos, a meio deste ano, partiu com a mulher e os filhos mais velhos para Chimoio, em Moçambique. O destino foi escolhido após uma conversa com um amigo apaixonado pelo país, que lhe indicou uma ONG onde poderiam colaborar.

“Queríamos ir para um sítio onde faltasse ajuda e optámos por Chimoio, onde existia uma ONG” com as características que pretendia. “Procurávamos uma organização com alguma dimensão que permitisse a ajuda de toda a família”, adianta. Após ter contactado a pessoa responsável pela delegação da ONG nesse local, partiu em Julho junto com a mulher e os filhos mais velhos.

Voaram para Maputo e a “adaptação a África fez-se ao longo dos 1200 quilómetros entre a cidade e Chimoio, numa Toyota Hiace, igual às utilizadas pelos transportes públicos, pelo que tivemos de parar muitas vezes para dar boleia”, referiu o gestor.

Mas a primeira semana em Chimoio não foi fácil. Assim que chegou, soube que a ONG estava totalmente sem dinheiro e inactiva. “Soubemos que a pessoa responsável pela delegação da ONG americana, que durante cinco anos esteve à frente do projecto, tinha tido um esgotamento e quem a substituiu roubou o dinheiro e fugiu”, revelou Paulo Azevedo.

Ainda assim, não desistiram. “Esta ONG dedica-se a ajudar raparigas em vários aspectos, incluindo educação cívica, cuidados de saúde, higiene, precauções contra a Sida, que, naquela região, é avassaladora, e a ensinar-lhes algumas profissões para poderem empregar-se. O Chimoio não tem emprego, mas havia alguns projectos de fabrico de produtos que ajudavam a manter o Clube das Raparigas”. Tudo isto estava parado. “Inicialmente foi difícil, embora, para mim, nem tanto porque organizar, gerir e refazer uma organização é mais fácil”.

Paulo Azevedo admite que, logo no início, fez “as coisas erradas”. Queria “pôr a ONG a funcionar rapidamente e avancei com muitas coisas numa semana. Depois, percebi que era difícil. Ficaram a olhar para mim porque não tinham percebido nada. Foi uma aprendizagem”. A ajuda de uma pessoa da região permitiu-lhe “compreender a cultura e entender como é que a ONG poderia funcionar apenas com as pessoas que lá estavam, que mal sabiam ler e escrever”.

Retomou os contactos com os financiadores norte-americanos que tinham cortado as verbas devido à falta de “relatórios e orçamentos” e conseguiu novamente o financiamento necessário para avançar com o projecto.

Após o regresso a Portugal, Paulo Azevedo continuou a inteirar-se do trabalho que deixou para trás. A ONG “está a funcionar muito bem, inclusive está a aumentar depois de termos saído. No nosso último dia, comunicaram-nos que iam trabalhar durante o fim-de-semana, porque já não tinham capacidade de resposta para encomendas e os Clubes das Raparigas também já estavam todos a funcionar, havendo mesmo um projecto para os aumentar”, afiança.

O presidente da Sonae concluiu o seu testemunho na sala da ACEGE afirmando que “tinha grandes expectativas relativamente ao desfecho desta viagem e posso dizer que foram largamente excedidas, principalmente ao nível da educação dos meus filhos que agora têm uma maior apreciação dos privilégios que têm, nomeadamente terem nascido e crescido nesta sociedade. Ficam com uma sensação muito próxima do que é construir uma sociedade, sem os elementos básicos como infra-estruturas”.

 

Vitor Norinha