O empresário e fazedor

2004
João Talone

“Se fosse líder daria 15 dias aos ministros para me apresentarem um plano mobilizador”
POR Vitor Norinha

A falta de competitividade do país é da responsabilidade da gestão, afirma João Talone, presidente da private equity ibérica Magnum Capital e ex-administrador do BCP. Durante o mais recente almoço-debate da ACEGE- Associação Cristã de Empresários e Gestores, Talone teceu duras críticas ao comportamento dos políticos e à falta de ambição do Executivo

JOÃO TALONE defende o imediato lançamento de um plano mobilizador para as famílias e empresas. O Governo tem a obrigação de lançar ideias e trilhar rumos. O gestor afirmou durante a mais recente conferência da ACEGE que o país tem de ser mais forte, ter mais ambição a nível de contas públicas e deixar de ter a veleidade de ir de “peito feito” junto de Bruxelas para exigir o que for. O nível de endividamento do país é muito grande e é preciso gerir esse “bolo”, tendo consciência de que a fraca profundidade do mercado da dívida portuguesa faz com que as boas “yields” do momento rapidamente desapareçam se os mercados se apercebem que não estamos no rumo certo.

Muito crítico e a rever a matéria dada há meia dúzia de anos, Talone lançou indiretas aos que pensam saber tudo e aos que na pele de cordeiros atuam como lobos maus. O gestor disparou à direita e à esquerda e sempre com um refinado sentido de humor. A falta de competitividade do país é da responsabilidade de quem gere.

Sobre o futuro, está confiante. Afirma que os quadros com 30 e 40 anos sabem bastante mais do que os da sua geração ao apresentarem um nível de globalização completamente diferente. Diz não se autoexcluir da gestão, mas reserva-se para trabalhos de fundo.

Sobre as pessoas, diz que há uma “dicotomia no país. Há os que estão motivados e os que estão desmotivados, porque têm problemas financeiros e não têm idade para refazer a vida, e há os desempregados.

No entanto, os que estão na vida ativam estão motivados”. O gestor está preocupado com os acordos inter geracionais e enfatiza as declarações permanentes dos reformados a afirmarem que não se deveria mexer nas respetivas reformas, porque trabalharam para atingir aquele objetivo, mas Talone diz isso não corresponde à verdade. Com efeito, afirma que os descontos dos pensionistas do regime geral correspondem a cerca de 50% do que vão receber, no caso da Caixa Geral de Aposentações corresponde a 30% e no caso dos juizes dos TC os descontos correspondem a 16% do que vão receber de reforma. O problema global diz, “está na descida de rendimentos”.

Os mais jovens, por seu lado, já sabem que não irão ter reforma e estão a pagar impostos brutais, diz o gestor, que avisa: os mais jovens têm a arma de se irem embora e ainda reduzirem mais os contributos líquidos. Conclui afirmando que pensionistas e ativos vão ter de partilhar essa diferença (entre o que contribuíram, aquilo a que têm direito e aquilo que precisam de cortar).

Diz que “há muita gente a falar de mais e muita gente a falar do que não sabe e de entre os que falam há muitos lobos maus”. Há cinco anos e meio afirmava, no mesmo evento da ACEGE, que as elites são altamente destruidoras da coesão e da família. No atual momento, a atuação do Governo e da oposição tem sido destrutiva e não está à altura do momento. “Dito isto, estamos hoje melhor do que há cinco anos e melhor como país e como pessoas. Temos uma nova geração, mais bem preparada do que a minha e mais global. Pessoalmente, quero criar alguns laços especiais para ter alguma intervenção cívica. Para tentar forçar as plataformas necessárias para o país se desenvolver, mas não é fácil”, afirmou.

O capital que temos, diz, “está em não aparecer em público a fazer comentários, sobretudo perante pessoas que se confundem com os lobos e andam a fazer de cordeiros, repito”. A nível político e dentro daquilo que é essencial,” concluo que são absolutamente coincidentes (as posições) entre quem está no Governo e que está na oposição. Os políticos tendem a criar condições para a divisão e não para os consensos. Independentemente da situação, Portugal é um país totalmente marginal na economia europeia, o PIB vale menos de 2%”, frisa.

Não vale a pena ir de peito feito falar da mutualização para Bruxelas, isso é algo que até pode ser contraproducente. Como país pequeno, somos os primeiros a ser atingidos com as yields porque o mercado da divida portuguesa não tem profundidade. A yield de 3,43% (média desta semana) rapidamente desaparece.

Temos o “handicap” de sermos pequenos e, por isso, a nossa obrigação é ir mais longe para estarmos fortes, porque somos mais vulneráveis, “mas esta mensagem não passa”, frisa Talone.

Km termos europeus, houve uma evolução nestes últimos anos, mas o modelo de governação europeu continua a não funcionar, diz. “Recordo que, na altura do grande alargamento, houve dois pratos na balança. Dentro das várias instituições da União, o BCE é a mais eficiente, em boa parte porque é independente. Portugal tem de jogar com a situação, exercer influência pelo mérito, de uma forma positiva e nunca vir de peito feito dizendo que vamos colocar a União Europeia na ordem”.

Acrescentou: “Será uma frustração que não se aproveite o momento para corrigir as situações estruturais, tendo em conta o esforço que foi feito, com a população a passar dificuldades e sem que se criasse a tão falada rutura social. Diferentes foram as situações vividas em Barcelona, Madrid, na Grécia ou em Itália. Fizeram-se reformas que não foram as ótimas, mas foram feitas, caso da reforma do direito de trabalho e que, em conjunto com a mudança de atitude dos trabalhadores, permitiu um enquadramento muito mais competitivo para o país”.

Qual a solução, questiona o gestor. Diz que, “se fosse líder, avançaria com um pacote de novas exigências viradas para o desenvolvimento do país. Daria aos ministros 15 dias para apresentarem medidas e um mês para começar a implementá-las e apareceria com um plano mobilizador”.

O gestor frisou que “deveria criar-se uma onda positiva no país, tanto mais que há um conjunto de projetos que irão projetar o país para o futuro”. Diz que “é preciso ter comunicação que passe estas mensagens, e isso não acontece hoje”.

Ao nível das empresas, houve uma grande evolução porque foram obrigadas a dialogar. Houve muitas empresas que não exportavam e passaram a exportar. Para que houvesse mais exportações, bastaria que se identificasse as 1000 maiores e teria-se-ia a noção de quem quereria investir mais. As empresas têm de ser maiores e mais ambiciosas.

A falta de competitividade do país é da responsabilidade da gestão. Diz que “faz sentido sair da primeira linha e dar lugar a gestores com 35 a 40 anos, porque são esses que vão fazer o país”. E perentório ao afirmar que não lhe cria qualquer pudor o facto de os técnicos saírem para o exterior, porque regressam enriquecidos.

Os atuais gestores, afirma, têm um papel nuclear. Têm de evitar que os mais novos cometam os erros que eles já cometeram. Os mais velhos não têm de sair de cena, mas “a geração que interessa para o país não é a minha”, diz.

Sobre a situação política criada dentro do partido socialista, o gestor disse apenas que se: está perante uma situação anómala, porque o Governo não tem ninguém com quem dialogar. O conflito irá durar até setembro/outubro e “isso é mau, porque é muito importante que a oposição participe no futuro OE de 2015”.