Bento XVI lembrou o papel dos portugueses na cristianização

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O Papa tratou os portugueses como destinatários especiais, afirmou António Lobo Xavier, fiscalista e gestor, durante o mais recente encontro da ACEGE, a associação dos empresários cristãos. Na sua dissertação, Lobo Xavier disse ainda que o Papa repudiou o rótulo de sociedade espectáculo nos eventos em que esteve presente, enquanto trouxe ao país uma enorme sensação de paz e esperança.
POR VITOR NORINHA

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“A vinda do Papa toca-nos e desperta projectos de renovação”, afirmou António Lobo Xavier, o fiscalista e gestor que foi o convidado do último almoço-debate da ACEGE, a associação dos empresários cristãos. “Paz e esperança” foi outra mensagem que Bento XVI trouxe aos portugueses, que foram tratados como destinatários especiais, tendo lembrado o seu papel na cristianização a par da capacidade da Europa em voltar a ser o centro das missões para essa mesma recristianização. Lobo Xavier afastou terminantemente a ideia de que a recente visita de Sua Santidade, Bento XVI possa ser vista como um “aspecto da sociedade espectáculo”.

Afirmou que, para os católicos, o “olhar de amor é determinante na fé e propaga-se por contacto e por presença física”. Continuou: “A nossa fé é uma fé para homens que precisam de ligação com a matéria” e concluiu que a “abertura do coração não se faz via Twitter ou Facebook. O nosso sacramento inclui matéria e não apenas gestos”. Frisa ainda que a alegria do povo católico que decorreu da visita “não foi futilidade, nem com a sociedade-espectáculo do nosso tempo”. Afirma ainda que “o efeito da visita do Papa não poderia ser substituído pela condensação dos discursos num iPad”, para concluir que houve um particular “conforto intelectual”,pois a sua vinda “acrescentou uma dimensão intelectual diferente. O Papa não veio limpar a imagem ou à procura de multidões, porque é um Papa da exigência”.

Este é um Papa de princípios e que já defendeu que “a recriação vai voltar a fazer-se à volta dos mosteiros”. Está, por isso, “pouco preocupado com as audiências”, tanto mais que “a exigência é incompatível com a quantidade. Uma fé exigente não pode aspirar a imediatas multidões de aderentes”.Lobo Xavier relembrou uma frase do seu amigo Pacheco Pereira, que disse que os portugueses foram tocados pela figura do Papa, o qual, “por alguns dias, puxou para cima a vida dos portugueses”. António Lobo Xavier afirma não ser impressionável por “figuras” mas, explica: “Não fiquei indiferente ao olhar e ao sorriso de alguém que foi apresentado como um dogmático. Esteve sempre com esse sorriso, sempre dialogante”, com uma postura “suave e inteligível que tocou a todos”.

A Palavra
A importância da visita pode ser medida pela palavra através do seu significado e a sua forma. “Não procurou um cuidado literário, ou procurou frases bem colocadas. Ele usa uma linguagem quase didáctica coma preocupação de explicar o caminho intelectual”. Lobo Xavier afirmou, no encontro da ACEGE, que “os discursos densos só podem ser proferidos por alguém que devorou o livro, mas o Papa é eminentemente sábio e o que disse no CCB poderia ter dito em qualquer universidade do mundo. Usou uma língua mais racional, uma linguagem de sábio”.

O mesmo aconteceu em Fátima, onde o Papa introduziu a razão e onde se preocupou em explicar “o que é uma visão de Deus tida por pessoas num certo momento histórico. Eles tiveram a visão de Deus transmitida pelas suas palavras”. No Santuário de Fátima, acrescentou o gestor, foi impressionante o facto de o Papa ter tido a humildade de introduzir racionalidade, sobretudo para as mentalidades mais analíticas. O conteúdo ficou muito para além da forma”.
 
Portugueses Especiais
O Papa tratou os portugueses como destinatários especiais ao longo das suas dissertações. Um dos exemplos foi o facto de se ter dirigido aos ouvintes, lembrando o contributo para a cristianização. O Papa acredita que tem um pensamento especial sobre a Europa e sobre a missão da Europa na cristianização do mundo. A Europa tem uma responsabilidade particular por assentar na tradição judaico-cristã, ao mesmo tempo que o mundo se desliga dos aspectos e das razões filosóficas e culturais. “O Papa acha mesmo que os portugueses, por estarem ligados à tradição das missões (…), acredita que recristianização deve recomeçar na Europa”.

Aliás, realça Lobo Xavier, o Papa insiste especialmente sobre quem tem a tradição de cultura europeia e “Portugal é um desses espaços culturais, apesar dos modernismos, pois não se separa do transcendente e da dimensão religiosa”. O gestor sintetiza o “modus operandi” do Papa com base no diálogo, na secularização e na fé e adianta que o “racionalismo sem dimensão de fé desliga-se do homem”, para concluir que está convicto de que o Papa acredita que “os portugueses podem propagar esse pensamento”.

Transcendência
Sem a dimensão transcendente dificilmente a cultura europeia se poderá ligar a outras culturas, considera o Papa. Sem esta premissa, a Europa seria incapaz de “dialogar com o mundo”, diz Lobo Xavier. Acrescenta que a “Europa ultra-racional terá pouca eficácia com outras culturas e será relegada para segundo lugar”.Daí que a forma mais fácil de falar de “recristianização” seja através de uma herança com valor de missão. O Papa mostrou-se, por outro lado, preocupado com a “barbárie, porque cultiva a liberdade sem referências”.

A barbárie, na sua óptica, “exclui em absoluto a dimensão religiosa”. Portugal é, por isso, um espaço onde existe capacidade para defender valores. “Somos o povo para quem vale a pena falar”, realçou Lobo Xavier. Sublinhou ainda, na visita de Sua Santidade, o “modo sintetizado como tratou a questão dos crimes hediondos no seio da Igreja, recusando a visão que põe a culpa nos outros e explicando a sua forma reformadora de ver as coisas”. Outra forma de abordagem do Papa com grande significado foi a conversa com agentes culturais, com vultos da cultura em Portugal.

“Falou do diálogo com a verdade dos outros, contrapondo a verdade dos católicos”, e acrescentou que a “verdade é Cristo como modelo, realçando que “isto é mais fácil dizer aos outros do que fazer”. Lobo Xavier acrescenta que “a nossa verdade é uma proposta de modelo global, sendo que esta proposta é mais operativa”.A crise económica, a ética e a economia e ainda a responsabilidade do cristão foram temáticas sempre presentes nas suas palavras. Considerou o gestor que a visita trouxe ao país “uma enorme sensação de paz e esperança”. Por outro lado, frisou o facto de que “as sociedades que rejeitam o transcendente serem obcecadas com o conforto, mas viverem com medo. Antes da visita do Papa, a sociedade era amedrontada e o Papa trouxe esperança, a qual foi capaz de tirar o medo”. A conclusão simples é que, para se atingir a segurança, não basta a certeza ligada à matéria”.

© 2010 – Todos os direitos reservados. Publicado em 9 de Junho de 2010